20.6.06

O Rapaz do Violino- I

Vinha apressado, caminhando ligeiro pelas ruas da Baixa ainda vazias. Entretinha-se a ouvir o ruído das botas, em passo rápido, nos paralelos do passeio, na calçada empedrada, no alcatrão das ruas desertas. Ruas desconhecidas para ele, rapaz vindo de longe, mas estranhamente acolhedoras. Pareciam-lhe todas iguais, estreitas e escuras, com os prédios encavalitados uns nos outros, as varandas suspensas sobre a sua cabeça. Vielas íngremes, ruas estreitas que se emaranhavam e confundiam, cruzando-se aqui, terminando além em algum beco sem saída.
Seguiu até à rua principal, larga e empedrada, cortada ao trânsito, por onde os carros estavam impedidos de andar. De cada lado, alinhavam-se as montras tentadoras de lojas e cafés, ainda com os estores descidos, àquela hora matutina. O movimento era pouco e a confusão ainda não se instalara. Pela rua deambulavam apenas comerciantes atarefados e estudantes de cara ensonada e mochila às costas.
Olhou em volta à procura do melhor lugar. Decidiu-se por ficar de um dos lados do passeio, onde não fosse engolido pelo tumulto da multidão que não tardaria a invadir a rua. Pegou na caixa que trazia pendurada às costas e pousou-a no chão. Ao lado, colocou a boina de flanela com alguns cêntimos dispostos à vista. Arregaçou as mangas e agachado, abriu a caixa devagar, obedecendo a um ritual quase mágico que há muitos anos praticava. Empunhou o arco de crina e apertou as cordas até ficarem esticadas. Cobriu-as depois com uma camada de resina, de uma ponta à outra. Assim, o som sairia mais fluido, e o próprio timbre seria diferente. Pousou-o junto da boina e segurou entre as mãos o violino.